sábado, 25 de fevereiro de 2012

189- Álcool, gestação e concepto

Profa. Dra. Maria Valeriana Moura-Ribeiro

Nas últimas cinco décadas a literatura internacional tem publicado trabalhos valorizando os avanços na saúde materno fetal, nos cuidados obstétricos com notáveis aprimoramentos da Medicina neonatal em unidades de tratamento intensivo. As delineações de pesquisas bem conduzidas em populações hígidas normais, proporcionou a organização de curvas padrões demonstrativas da evolução do crescimento linear, estatura, peso e perímetros, indicadores sensíveis da saúde e bem estar infantil.
Conjuntamente, foram definidos parâmetros e normatizações evolutivas relacionadas ao neurodesenvolvimento, observando aquisições motoras, posturais, cognitivas, comportamentais e do aprendizado em lactentes, pré-escolares e escolares. No entanto, ao se traçar as referidas normatizações direcionadas a crianças saudáveis, a partir de 1970 surgiu a necessidade da caracterização de fatores de risco e proteção para crianças e gestantes. Dessa forma os indivíduos (crianças e gestantes) poderiam estar expostos a um ou vários fatores adversos.
A identificação de agentes agressores pré e pós-natais se tornaram propostas de pesquisas no sentido de constatar ou não a correlação com morbidades, observando a repercussão nos conhecidos parâmetros do neurodesenvolvimento. Como decorrência, progressivamente se implantou assistência de qualidade à gestante, ao feto, ao neonato e ao lactente de risco para morbidades. Essas providências direcionadas a proteger amplamente as várias etapas no desenvolvimento da criança, na verdade representavam a constatação da integridade funcional do cérebro em pleno desenvolvimento.
Os conhecimentos detalhados sobre as funções corticais superiores, a evolução da genética médica, os avanços tecnológicos em imagem, as constatações neurobiológicas envolvendo o funcionamento dinâmico das redes neurais, têm favorecido a compreensão de padrões atípicos e normais das avaliações clínicas, neurológicas, comportamentais e de aprendizado.
No Projeto Atenção Brasil-2010 foram identificadas 405 crianças e adolescentes (em um total de 5.961 indivíduos) nascidos de mães que ingeriram bebidas alcoólicas na gestação, com comprometimento da saúde mental e escolaridade dos conceptos. Essa situação, aqui identificada, pode condicionar o aparecimento de alterações físicas, cognitivas, comportamentais, evidenciáveis em diferentes fases do desenvolvimento, merecendo, do ponto de vista médico e dos profissionais da saúde não médicos, atuações e remediações.

Assim, no recém-nascido e no lactente podem ser identificados sinais faciais da Síndrome Alcoólico Fetal (SAF), completa, parcial ou às vezes bem sutil, como: nariz antivertido, lábio superior fino, filtro liso, implantação baixa de orelhas, fissura palpebral pequena, semiptose palpebral e face achatada.
Na dependência do tempo de utilização, da concentração de álcool na bebida, da quantidade ingerida por dia e fatores nutricionais envolvidos, podem também ocorrer microcefalia, hipotonia, distúrbios do sono e grande irritabilidade, comprometendo o vínculo psicoafetivo mãe-filho.

Evrard, pesquisador francês, em 1998 apresentou trabalhos  demonstrando que o etanol determinava morte celular no neuroepitélio primitivo e, na sequência, interferência  na migração neuronal em função do comprometimento da glia radial e dos componentes químicos facilitadores do deslocamento neuronal para a formação das camadas corticais programadas geneticamente. Esse autor constatou também que o etanol comprometia a gliogênese e, dessa forma, foi comprovada a presença de distúrbio neuronoglial com interferências na formação do mapa cortical, por alteração nas colunas verticais, particularmente das regiões pré-frontais e circuitos frontocerebelares. Enquanto que, em relação a alterações estruturais, foi detectada também a redução no tamanho dos gânglios da base e núcleos talâmicos.

Assim, a mãe gestante alcoólatra tem o álcool como fator agressor grave para o pré-embrião, embrião e feto, comprometendo a estrutura, a ultraestrutura, a bioquímica e a funcionalidade de redes neurais nas diferentes fases do neurodesenvolvimento. Essa restrição da neurogênese, da gliogênese e da migração neuronal, além da interferência na integração de rotas precoces, explicam as anormalidades corticais generalizadas e setoriais (linguagem, memória espacial, memória de trabalho, alterações do sono e, outras) encontradas na SAC.
Como informação complementar, drogas ilícitas, particularmente a cocaína, comprometem de maneira semelhante a arquitetura celular neocortical com alterações na laminação vertical e horizontal, com repercussão imediata nas interconexões sinápticas envolvendo axônios e dendritos. Nos experimentos em animais a cocaína comprovadamente determina alterações na gliogênese, sendo identificadas também mitoses discronológicas.

Neuroimagem em crianças e exposição pré-natal ao álcool
É necessário avaliar na gestante alcoolizada ou alcoólatra a somatória de fatores associados como o uso de nicotina, desnutrição, jejum prolongado, envolvimento importante do psiquismo materno, abandono, rejeição à gravidez, traumas de maior ou menor gravidade (maus tratos), infecções e utilização de fármacos como o misoprostrol.

Quais as interferências complementares no microambiente envolvendo neurotransmissores, moléculas de adesão, aminoácidos, íons cálcio, potássio, sódio, monoaminas e enzimas?
Os neurotransmissores são biomoléculas que dinamicamente transmitem informações entre os neurônios (serotonina, adrenalina, noradrenalina, dopamina, etc.). Cole & Li em 2011 apresentam importante revisão a respeito de estudos com neuroimagem funcional em crianças e adultos nascidos de mães que utilizaram álcool na gestação. Riitkronen em 1999 verificou a perfusão cerebral através de SPECT identificando comprometimento das regiões temporal, pré-frontal e parieto-occipital de crianças.

Do ponto de vista clínico, em estudo utilizando grupo controle, foi possível verificar alterações do ciclo sono e vigília, da atenção, da cognição e, ainda, alterações sensoriais comprovadas por potenciais evocados auditivo e visual. Foram identificadas alterações do comportamento, do aprendizado, atenção sustentada, dificuldade de reconhecimento facial, memória de trabalho espacial, verbal, processamento aritmético e números.
Estudos com ressonância magnética funcional identificaram comprometimento da atividade funcional em região frontal inferior e média e no caudado direito. No que se refere à neuro ativação para processamento aritmético a resposta foi menor no parietal e pré-frontal. Outra possibilidade estudada foi aquela associada a morbidade psiquiátrica.

Concluindo
Inúmeras pesquisas clínicas envolvendo neuroimagem comprovam que a exposição ao álcool durante a gestação repercute na criança, no adolescente e no adulto, condicionando um decréscimo da eficiência neurológica nas diversas regiões cerebrais. Do ponto de vista clínico comportamental, cognitivo e psiquiátrico, foram confirmados e documentados comprometimentos através de neuroimagem, justificando a necessidade de assegurar assistência de qualidade à gestante e ao feto.

http://www.aprendercrianca.com.br/informacao/noticias-do-cerebro/alcool-gestacao-e-concepto

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